quarta-feira, 20 de março de 2013

Locke e uma aula para o Ensino Médio (sem ficar “locke”)

Por Andrei Pedro Vanin

A experiência de preparar uma aula para ensino médio se mostrou, num primeiro momento, um tanto quanto uma tarefa difícil de ser realizada. Contudo, enquanto lia os materiais e os livros didáticos, foi ficando mais claro o que seria a preparação de uma aula. Ministrar aula é uma tarefa árdua, pois parece que só a prática em sala de aula dá a segurança – sobre o que de fato sabemos – e qual a melhor forma de trabalhar o tema. Passo a expor agora um breve resumo do que tratei na aula sobre Locke.

Locke é lido com mais ardor, na maioria das vezes, por sua obra Ensaio sobre o entendimento humano, isso porque a teoria exposta critica a teoria de Descartes – especialmente a das ideias inatas - e funda – podemos assim dizer – o empirismo. Não obstante, suas obras políticas foram escritas e publicadas no fervor da Revolução Gloriosa, o que na leitura não deve se deixar passar despercebido. Sobre esta questão histórica há alguns filmes que podem ser vistos, a saber: Fogo sobre a Inglaterra (1937) O outro lado da nobreza (1995), Cromwell, o chanceler de ferro (1970) e A outra (2008). No que concerne a importância do pensamento político de Locke, esta pode ser vista até hoje. Ele talvez seja o primeiro a defender a igualdade de direitos entre homens e mulheres – tese que depois John Stuart Mill trabalhará com maior profundidade. Além de Mill, também é possível ver em John Rawls influências de Locke[1].

Os Dois Tratados sobre o governo civil foram publicados em 1689-1690 anonimamente, visto as circunstâncias que a Inglaterra vivia na época. O Primeiro Tratado basicamente se ocupa de refutar a teoria da justificação da monarquia absoluta de Filmer, exposta na obra Patriarca: ou o poder natural dos reis[2]. Contudo, Locke além de refutar a teoria de Filmer, nesse primeiro tratado, também “[...] assenta igualmente os fundamentos de uma doutrina que será desenvolvida no Segundo Tratado” (TADIÉ, 2005, p. 39). Esses fundamentos são basicamente a liberdade e a igualdade dos homens[3].

 

2013-03-19 14.32.20

Pibidiano Andrei P. Vanin durante a aula ministrada.

Consoante ao exposto, nosso objetivo com a preparação aula era de que os alunos conseguissem ter uma visão do pensamento político de Locke, para conseguirem ver de onde nasce a ideia de liberdade e igualdade entre os homens e especialmente porque tal noção é pensada pelo autor. Pensando nisto demos ênfase ao momento histórico vivido pela Inglaterra e a crítica que Locke desenvolveu contra Filmer – mais detidamente e contra Hobbes – no que se referia ao poder absoluto. Ainda o pensamento de Locke se mostra importante no tocante à teoria do liberalismo político, teoria da qual, Locke foi o precursor. Também fizemos menção à escravidão pensada por Locke no capítulo IV do II Tratado e mostramos como sua noção diferia da escravidão brasileira – especialmente nos primeiros séculos de escravização.

Com esses breves apontamentos já se consegue vislumbrar a importância e o leque de possibilidades que se abrem para trabalhar Locke no Ensino Médio. Concernente à busca por livros didáticos, consultei dois basicamente. O da Marilena Chauí (2010), Iniciação à Filosofia – usado pela escola Érico Veríssimo – e o manual de Filosofia do Paraná, Filosofia, no qual vários autores escrevem. O material presente nestes dois livros não me pareceu muito satisfatório, embora recorri a eles em alguns momentos de minha exposição na aula.


[1] Não queremos fazer uma análise mais detida sobre o tema. Queremos apenas corroborar a importância e influência do pensamento de Locke. Cf: KUNTZ, R. Locke, liberdade, igualdade e propriedade, In: Clássicos do pensamento político, org, Célia Galvão Quirino, Claudio Vouga, Gildo Bransão, 2ª ed, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004, p. 91-96. Cf: TADIÉ, A, Locke, trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 2005, p. 74-80. Uma breve, porém esclarecedora reconstrução histórica é encontrada em MELLO, L. I. A., John Locke e o individualismo liberal, In: Os clássicos da política, org. Francisco Weffort, 13ª ed, Vol 1, São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 79-89.

[2] Cf: TADIÉ, A, Locke, trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 2005, p. 39. Cf também: LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo, trad. Julio Fischer, 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 21-183. Cf por fim: MELLO, L. I. A., John Locke e o individualismo liberal, In: Os clássicos da política, org. Francisco Weffort, 13ª ed, Vol 1, São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 83-84.

[3] Uma passagem do Primeiro Tratado corrobora o que afirmamos: “E assim concluímos, por fim, o exame de tudo quanto tem a aparência, em nosso A., de uma argumentação em favor daquela soberania absoluta e ilimitada,descrita na Seção 8 e a qual ele atribui a Adão, de sorte que todos os homens nascem escravos desde então, destituídos de todo e qualquer direito à liberdade. Mas se a criação, que nada outorgou senão uma existência, não fez de Adão príncipe de sua descendência; se Adão, em Gn 1,28, não foi constituído senhor da humanidade nem lhe foi dado nenhum domínio privado com a exclusão de seus filhos, mas tão-somente um direito e um poder sobre a terra e as criaturas inferiores em comum com os filhos dos homens; se tampouco em Gn 3,16 Deus conferiu a Adão algum poder político sobre sua mulher e filhos, mas apenas sujeitou Eva a Adão como castigo ou predisse a submissão do sexo frágil na administração dos interesses comuns das famílias, sem que conferisse com isso a Adão, como esposo, o poder de vida e morte que necessariamente pertence ao magistrado; se por gerarem os filhos, não adquirem os pais semelhantes poder sobre eles; e se o preceito Honra teu pai e tua mãe não confere tal poder, mas apenas impõe um respeito devido em igual medida a todos os pais, quer sejam estes súditos ou não, assim à mãe como ao pai; se tudo isso é como tal, segundo julgo ser muito evidente por tudo quanto foi dito, o homem dispõe de uma liberdade natural, não obstante tudo quanto nosso A. afirma convictamente em contrário; pois todos aqueles que compartilham a mesma natureza comum, as mesmas faculdades e poderes, são iguais por natureza e devem participar dos mesmos direitos e privilégios comuns [...].” (LOCKE, 2005, p. 271-272)

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